O que mata o vampiro?
- felipebierpsicanal
- Jan 5
- 2 min read

O que quer uma mulher? Qual o terror desta questão? A maneira como Robert Eggers encara o mito do vampiro, nesta releitura absolutamente impecável da obra do cineasta do Expressionismo alemão F. W. Murnau, põe em primeiro plano algo que nem sempre aparece nas histórias Draculeanas: o que o motiva, o que o lança num ímpeto assassino que é capaz de carregar toda uma cidade à morte?
Nosferatu de Eggers me fez lembrar do ensaio contido em “How novels think” de Nancy Armstrong, crítica literária norte-americana. O ponto de Drácula, diz ela, não é o sangue, mas a sexualidade feminina. O vampiro é portante uma espécie de incubus que invade a psiqué da mulher vitoriana, e forma uma rede quase fúngica dessas sexualidades desengatadas da moral. Uma rede, diríamos, de gozo, um gozo que não fecha por estrutura mesma de seu estatuto de não-todo.
O terror de Nosferatu está, dentre outras coisas, naquilo que o monstro depõe: o amor, encarada na forma sublimada do bom rapaz que sustenta o ser frágil de sua donzela. O que é, como consequência, também corroído é a própria noção do belo. A princípio, o pedaço do corpo de Ellen guardado na pequena joia que acompanha o marido, quando roubada pelo vampiro, dá a entender que o tom de que sua sede é fetichista. No entanto, com o desenrolar das tensões e as dobraduras da personagem de Ellen, fica claro que não é o caso. O que o Conde Orlok procura é algo que está além do belo, aquilo que faz de Medeia, segundo Lacan, ser uma verdadeira mulher. O que não se satisfaz com nada da ordem fálica, dos dons que um homem pode dar a uma mulher: ouro, casamento, amor, doçura, posição social. Há um lado em Ellen que ultrapassa tudo isso, que é sexual mas não apenas, que é selvagem e a aproxima da loucura histérica, da melancolia e da morte. Ela quer mais, e o filme localiza aí a jugular onde o vampiro mira. É isso que ele procura, e é isto que a faz, de certo modo, par de Nosferatu.
Este “querer gozar mais” será a derrocada do vampiro, para além de qualquer bravata masculina, tornada ridícula diante deste espetáculo de gozo. Lacan se refere ao gozo fálico como fora do corpo, e a meu ver Eggers constrói, na própria presença podre do vampiro, o que seria o inverso moebiano do gozo fálico reluzente. Nosferatu não tem um corpo, ele é a própria carne, aqui representada como purulenta e insaciável em sua pulsação de gozo.
Não tenho palavras suficientes para elogiar essa leitura magnífica deste mito vitoriano já tão revisitado. 10/10
תגובות